Apenas palavras… Será? – A ideologia e o controle nas entrelinhas do dizer

A cultura se desenvolve através da interação dos membros do grupo entre si e na sua relação com o ambiente no qual vivem ao longo do tempo. Essas referências e expectativas de comportamento, e os padrões ideológicos inerentes, servem ao controle social e à delimitação do espectro de comportamentos possíveis no grupo, e são divulgadas, compartilhadas e cobradas de formas variadas entre os membros dos agrupamentos sociais. Para que uma regra, uma exigência, comportamental seja efetiva, ela deve atingir com o máximo de força o maior número de indivíduos. Observamos que os controles podem ocorrer em três níveis: comportamental, criando contextos nos quais a pessoa deve adotar obrigatoriamente um padrão de comportamento; cognitivo, conduzindo o raciocínio da pessoa para determinada conclusão; e, afetivo, exercendo influência sobre como a pessoa (se) sente no contexto e os fatores envolvidos.

Num mundo onde todos “têm” voz e opinião, nem sempre temos opinião de fato, somos canal de convergência e divulgação do discurso hegemônico

Vivemos hoje num período histórico no qual o uso de tecnologias de informação e comunicação mudou o papel da informação, tornando sua transmissão, aquisição e aplicação extremamente relevantes. Este é um momento paradoxal no que tange a importância e a confiabilidade das informações que circulam e a maneira como são produzidas e difundidas. Com o desenvolvimento tecnológico, o conhecimento científico ganhou notoriedade e respeito, e sua força tem sido usada nos esforços de controle social. Entretanto, no microcosmos da socialização observamos que o novo referencial científico não substituiu o conhecimento prático dos sistemas culturais baseados nas tradições orais. Mesmo com todo o poder da tecnologia e da ciência, o senso comum ainda se faz presente e operante no cotidiano. Trindade (2005) aponta que nessa esfera microssocial, a oralidade prevalece como instrumento de comunicação e socialização, preservando referenciais culturais e agindo na manutenção da identidade grupal.

Dessa forma, a comunicação da informação, das expectativas de comportamento e as negociações de poder e significado implícitas no que é dito ou mesmo grafado tanto reafirmam as similaridades entre os membros do grupo como distinguem o outro, marcando processos identitários e de alteridade. Talvez, a força maior do controle social resida na sutileza dos conteúdos e da veiculação dessas informações. Quanto mais indireta for sua ação, menos evidente é a intenção de controle e sua autoria, denotando um autocontrole, um autorreferenciamento e liberdade da pessoa em detrimento de seu papel como agente social imerso numa cultura e num contexto sócio-histórico.

De que palavras você se alimenta? Com quais palavras você se veste? Com quais palavras você se despe?

As palavras jamais são inofensivas, seja na fofoca tão presente nas interações diárias, nos desabafos das inscrições “solitárias” em espaços públicos, na interlocução com quem interagimos. Essas palavras que proferimos, dirigimos para o outro com uma intenção. Também as conduzimos para cumprir sua função de controle social, até mesmo quando não percebemos que assim fazemos. Compartilhamos nas entrelinhas do discurso as regras de organização social, realizamos a manutenção do sistema ideológico, revelamos o jogo de poder e da distinção entre os agentes sociais. A palavra muito diz, apesar dos esforços para negá-la ou encobrir suas intenções. As palavras dizem além de si.

Sugestões de leitura:

Brum, E. (2012). Doutor Médico e Doutor Advogado: até quando? Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/09/doutor-advogado-e-doutor-medico-ate-quando.html.

Fiorin, J. L. (1990). Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/55718632/FIORIN-Linguagem-e-Ideologia.

Mosé, V. (1997). A palavra. Disponível em: http://www.vivianemose.com.br/acervo.htm#próximo 5.

Teixeira, R.P. & Otta, E. (1998). Grafitos de banheiro: um estudo de diferenças de gênero. Estudos de Psicologia, 3 (2), 229:250. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/epsic/v3n2/a04v03n2.pdf.

Trindade, Z.A. (2005). Comunicação e socialização do conhecimento: o boato e a fofoca como objeto de estudo das representações sociais. In D.C. de Oliveira e P.H.F. Campos (Org.) Representações Sociais, uma teoria sem fronteiras. Rio de Janeiro: Ed. Museu da República, 71:84.

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