Arquivo do mês: abril 2012

Existe solução para as cracolândias?

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O corpo e a cultura

Qual o limite entre o eu individual e o eu coletivo? Quais as implicações de sermos seres biopsicossociais? Nós, humanos, nascemos num mundo no qual já existem condições que pré-determinam em algum grau um espectro de representações, significados para aquilo que seremos, para o que viveremos ao longo das experiências de vida. A cultura e a organização social é existente à priori à pessoa individual, seja ao pensarmos nela como subjetividade, seja como corpo fisiologicamente constituído. Talvez, sejamos o único animal que altera consciente e intencionalmente características físicas próprias para conforma-la a exigências sociais.

O comportamento humano, desta forma, apresenta-se sempre atrelado a uma cultura, ao grupo ao qual pertencemos e no qual interagimos e nos expressamos. Podemos perceber tais aspectos intervindo em questões como reprodução, alimentação, privação do sono, modificações corporais e na significação de fenômenos fisiológicos, tais como a dor, a fome, a fadiga e a sede. O corpo sofre estresse por parte de um agente qualquer e comunica a morte celular através da dor, por exemplo. Entretanto, o incômodo desta dor será mediado por significações culturais e pela subjetividade individual, jamais se referenciando apenas a fatores restritos ao campo fisiológico. Alteramos a morfologia, às vezes contra a funcionalidade de nossa anatomia, para cumprirmos com as regras do grupo que marcam, literalmente, nossos corpos.

Marcamos nosso corpo de/com significado

O corpo, que inicialmente poderia ser considerado mero receptáculo de uma mente num sentido da alma na máquina, nos serve de mediador e instrumento de intervenção no cenário social. Modificamos nosso corpo com intenção, assim como nos esforçamos para dominar nossas funções fisiológicas dentro de uma realidade constituída pelos grupos aos quais nos referenciamos. A introdução da cultura no seio da questão humana nos destitui da separação entre as esferas biológica, social e psicológica – somos uno e nos revelamos humanos para com o outro, num espaço tempo imerso e limitado pela produção subjetiva compartilhada, pela interseção da realidade dentro da esfera social.

Toda estética revela uma ética…

Somos uma resultante da convergência destas três esferas: um ser ético-estético e nada pragmático. Somos um capítulo da história da coletividade da qual fazemos parte, uma engrenagem na máquina social. A percepção de maior ou menor liberdade ou de individualidade são traços inerentes às culturas.

E o capitalismo se apropriou de nosso corpo…

E até mesmo o corpo não se revela limite para a ação intrusiva do grupo, que fala se si através de cada um de nós, seja em nossos comportamentos, seja na carne e na pele marcadas pela experiência e historicidade da interação social, pois o corpo é e fala símbolos.

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Desafios da Sociedade do Conhecimento: Ações Sociais, Coesão e Confiança

Faz parte comum a consideração apenas dos sujeitos como agentes sociais. Entretanto, Max Weber já pontuava que tanto indivíduos como grupos ou organizações, instituições de controle social e a sociedade como um todo, em bloco, agem no cenário social separadamente ou de forma interdependente.

Isso somado à incerteza e imprevisibilidade do comportamento social devido à subjetividade acrescenta um nível de complexidade interessante para a resultante das interações sociais. Considerarmos aspectos micro como o processamento psicológico das variavéis até construções culturais, fatores ambientais materiais e os demais agentes sociais apontados por Weber cria uma matriz interacional conplexa o suficiente para incitar a necessidade de pesquisas sobre relacionamentos interpessoais em diversos cenários, tais como escolas, empresas, família, entre outros.

Weber nos coloca quatro tipos de ações no palco social: 1) comportamentos tradicionais, 2) comportamentos emocionais, 3) comportamentos racionais com relação a valores, e 4) comportamentos racionais com relação a fins. Então, veremos cada um deles abaixo.

1) Comportamentos tradicionais

Tais ações sociais ocorrem no agir pelo hábito, pelo “sempre assim” embutido na cultura. Neste sentido, o indivíduo raramente questiona seu comportamento e é comum não saber as razões para tal comportamento e a forte vinculação aos valores e à moralidade coletiva. Um bom exemplo brasileiro é a alimentação: comemos feijão e arroz, sendo que, talvez, fosse mais lógico consumirmos mandioca e peixe, haja visto a alimentação dos nativos indígenas de nossa matriz populacional.

 2) Comportamentos emocionais

 O embasamento destes comportamentos são os sentimentos e as emoções vivenciadas pelo indivíduo. Logo, um comportamento com tal referencial incorre na possibilidade de ser divergente do colocado pela matriz cultural à qual este indivíduo está vinculado. O arroubo e a impulsividade relativas a esses comportamentos podem levar ao comportamento impensado, sendo apenas refletido posteriormente pela pessoa ou apresentar dissonâncias cognitivas – ou seja, a criação de justificativas a posteriori para um comportamento avaliado pelos pares, pela sociedade, como desviante ou reprovável.

3) Comportamentos racionais com relação a valores

Também observamos comportamento que são refletidos, planejados. Os comportamentos racionais podem estar vinculados à busca de referências na Ética, na Justiça, na Honra, e outros. Pessoas emitem este tipo de comportamento levando em consideração que não fariam qualquer coisa para atingir suas metas, sendo os meios tão ou mais importantes que os fins.

4) Comportamentos racionais com relação a fins

Por outro lado, os comportamentos podem ser direcionados aos objetivos das pessoas em detrimento das consequências para os envolvidos. Neste caso, o foco é no resultado e os fins justificam os meios para alcança-los. Uma boa referência para esse tipo de comportamento é o livro O Príncipe de Maquiavel [clique aqui para fazer download do livro].

Novos paradigmas organizacionais

Diante das mudanças tecnológicas e sócio-culturais, a forma como encaramos o trabalho, a socialização e a educação certamente mudou drasticamente na virada do século. Percebemos um deslocamento da exclusividade da gestão de processos para a gestão das pessoas nas organizações sociais. Autonomia, interação, integração e compromisso são as palavras da vez.

A percepção do pertencimento ao grupo e a formação de vínculos de identificação se tornam possíveis uma vez que oferecemos uma visão holística e sistêmica aos membros do grupo e oferecemos um escopo das metas e dos critérios que basearão os projetos a serem desenvolvidos. Saber o que está fazendo, entender o processo e concordar com os valores direcionadores do projeto fomentam a coesão e o compromisso dos envolvidos.

Lembre-se toda divisão do trabalho não se restringe às trocas econômicas em questão. A divisão do trabalho num grupo é tanto produtiva quanto de papéis sociais. Assim, além das trocas econômicas existem um horizonte de trocas psicológicas e sociais. Além das trocas materiais, vislumbramos as trocas simbólicas.

O comportamento humano não é só trabalho, num sentido de intervenção intencional no mundo pelo homem através do uso de ferramentas. O comportamento humano é construção de significados, é construção de vida.

Sugestões de leitura para continuar a discussão

PEREIRA, F. N. Educação inclusiva contra o muro: revolução cultural, utopia de poetas mortos ou um sonho possível? In: PINEL, Hiran. (Org.). Cinema, Educação & Inclusão. São Paulo: Clube dos Autores, 2011, p. 169-176.

Pestana, M.C.; Pires, P.M.S.G.; Funaro, V.M.B.O.; Utuyama, A.S.; Pacheco, F.M.; Guimarães, T.B.N. Desafios da sociedade do conhecimento e gestão de pessoas em sistemas de informação.

Uribe, F.J. Reflexões sobre a subjetividade na gestão a partir do paradigma da organização que aprende.

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Na Indonésia agora é assim, esposa leva salário de marido

Numa ousada e polêmica proposta para evitar as escapas dos maridos, o governo da província de Gorontalo (onde fica esse lugar?!?), na Indonésia, resolveu depositar o salário dos funcionários públicos nas contas de suas esposas oficiais.

A medida tem por objetivo diminuir despesas com casos extra-conjugais e ajudar as esposas a controlar as despesas domésticas.

Vale lembrar que para o casamento ser válido na Indonésia, ele deve ser registrado civilmente e no Departamento de Assuntos Religiosos.

A pergunta que não sai da minha cabeça é: como é um país de maioria mulçumana, como fazer com quem tem mais de uma esposa?

PS: espero que minha esposa não leia este post…

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Subjetivação, ferramentas e uma pergunta fundamental

Os caras da Psicologia russa no início do século 20:

Luria, Leontiev e Vygotsky

Remonta a tempos imemoriais a discussão sobre a natureza humana – se é que existe alguma natureza humana ou qualquer natureza que não seja humanizada pelo trabalho do Homo sapiens em sua relação com o mundo. Durante séculos (ou milênios), o animal humano foi concebido como criação divina, especial e superior aos demais coabitantes do pequenino planeta azul mergulhado na imensidão do universo. Talvez, tenha sido o materialismo histórico de raiz marxista – com sua dialética roubada de Hegel ou sabe-se lá de quem – que redirecionou a discussão do se fazer humano, da produção material e social para algo além do naturalismo antropocêntrico.

Personagens de seu próprio tempo, sujeitos a sobredeterminações históricas e sociais, refletiram e escreveram sobre como nos fazemos humanos e as implicações teóricas e práticas dessa produção. Luria, Leontiev e Vygostky se debruçaram sobre a questão humana pressionados pelas forças ideológicas de seu tempo e pela necessidade de adequação da produção científica ao regime da União Soviética. Entretanto, em bom tempo, tiveram a abertura para perceberem que o materialismo e as interações sociais repercutiam sobremaneira na modelagem do animal humano num indivíduo agente social dotado de subjetividade. Segundo estes autores, estamos em condição diferente por assimilarmos conhecimento através de processos educacionais socializantes, por refletirmos sobre nossas condições existenciais, pela transmissão transgeracional do conhecimento acumulado e pelo desenvolvimento de ferramentas que nos auxiliam na tarefa de intervir na natureza e mudar o mundo segundo nossas intenções (sejam elas quais forem…).

Gostaria de destacar, neste momento, os instrumentos em nossa discussão. Os instrumentos humanos se distinguem dos de animais por serem replicados pelo conhecimento divulgado no processo educacional e pelo significado que possuem à posteriori. Mas, existe aí no raciocínio destes autores, uma restrição.

Eu sou seu pai, Luke…

Sim, o instrumento supre uma necessidade operacional imediata, porém ele acaba por gerar outras demandas através de sua potência transformacional. O instrumento não somente amplia as capacidades físicas humanas, amplia também seu domínio cognitivo, seu devir humano. Muito além de resolver um problema e de soluções que se cristalizam em hábitos, o instrumento gera novos problemas e demanda adaptações do criador do instrumento. Os efeitos da relação homem-máquina na utilização dos instrumentos se desdobram em vetores recíprocos de mútua adaptação/geração/(des)construção.

Pensamos que nos acoplamos à máquina para usá-la na transformação do mundo e não, ou pouco, observamos como as diferenças e os vazios entre as partes (homem e máquina) produzem agenciamentos não previstos. Tal ponto podemos notar no corrente uso de tecnologia da informação e comunicação: as próteses de memória e inteligência acabam por se revelar agentes, pontes que levam a produção para além do sujeito, para uma rede subjetiva maior.

Não sabemos o que o futuro nos reserva

De certo, como pontuou Leontiev, se houve um momento na História no qual éramos limitados pela seleção puramente biológica, hoje vivemos seleções outras mediadas pela cultura e pelas negociações políticas do fazer humano. E, ainda assim, se pensarmos menos em nós, humanos, fora do antropocentrismo, podemos nos descobrir sujeitos da seleção e produtos de uma “natureza” a qual nós mesmos criamos. A máquina agora é criadora de seu criador.

As referências de hoje

Eyng, C.R., Mascagna, G.C. & Sforni, M.S.F. (2007). Leontiev, o homem e a cultura: uma análise explicativa sobre as inter-relações entre autor, obra e sociedade. Anais do II Congresso Internacional de Psicologia & IX Semana de Psicologia, 1:13.

Kastrup, V. (1999). A invenção de si e do mundo: uma introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição.

Leontiev, A. (2004). O desenvolvimento do psiquismo.

Luria, A.R. (1985). La actividad consciente del hombre y sus raices socio-historicas (pp. 99-118). Em: Luria, A.R. Introduccion evolucionista a la Psicologia.

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