Ideologia e Linguagem – Sorria! Você está sendo alienado

Será que a linguagem é só isso que aparenta ser?

A linguagem é uma construção cultural das mais controversas. Ela é considerada por alguns autores como instituição social, controladora dos comportamentos, mediadora entre a pessoa e o mundo e entre as pessoas nas interações, mediadora simbólica para o pensamento. É notória sua variabilidade na extensão espaço-temporal da presença humana. Conforme a ocupação humana se estendeu pelos territórios e os agrupamentos humanos surgiram, a linguagem emergiu e se transmutou para se adequar à realidade e à necessidade daqueles que a utilizavam. Uma ferramenta plural, potencial – mas, poucos percebem, dominadora e delineadora do padrão de nossas vidas.

Isso é coisa da sua cabeça…

Tanto num parâmetro mais amplo, social, quanto num recorte individual, podemos analisar a linguagem longitudinalmente como promotora de mudanças substanciais devido a sua função mediadora-simbólica. É, pois, a linguagem, elemento inerente aos processos de simbolização, organização da memória e instrumentalização das interações com o meio ambiente e as relações sociais. Apesar de alguns autores afirmarem a existência do pensamento pré-verbal, de alguma forma, ali ainda encontramos uma linguagem mínima que nos permite tais interações e relações – mesmo que sejam mais parecidas com reações do que ações conscientes e intencionais. A incursão no registro verbal, a despeito do falado ou não, sem dúvida marcaria a entrada definitiva do indivíduo na esfera político-social e em sua apropriação pela ideologia, haja visto o aprendizado da língua e das formações discursivas no processo de socialização. Usar da linguagem para se comunicar implica sempre numa ação social – e por que não dizer, de cunho político – por denotar duas intenções: 1) mudar o comportamento do outro; e, 2) deixá-lo saber de algo. Além de instrumento representacional-simbólico, a linguagem é instrumento mediador-político, pois toda relação social é negociação. Friso que tal negociação não é necessariamente individual, senão de classe, uma vez que a linguagem possui duas características notadamente distintas: a fala individual e o discurso coletivo. Portanto, a negociação, que aparentemente ocorre entre alguns poucos no âmbito direto da interação e das relações, se estende para toda a sociedade nas diferenças, divergências e conflitos de classe.

O uso inerente da linguagem como instrumento político restringe ao indivíduo um espectro de possibilidades que denota a falsa impressão de liberdade, de livre arbítrio. O discurso coletivo emerge nas falas individuais, encobrindo a realidade com a ideologia hegemônica, dominando as percepções, representações e relações no micro do cotidiano e no macro do desenrolar histórico da humanidade. Talvez, não identifiquemos a apropriação subjetiva pela ação complexa da determinação dos diversos fatores incidentes. A ação da linguagem – e por que não dizer, também, da ideologia – não é necessariamente direta, senão mais eficaz na alienação e na dominação quando indireta, revertendo o sentido dos fenômenos representados em prol da exploração e da reprodução sociais. A fala é, assim, “livre” dentro do campo de discursos possíveis e tendo o indivíduo como canal de expressão do discurso ideológico.

Precisa dizer mais alguma coisa?!?

Fiorin aponta diversos exemplos a respeito da extinção de palavras, extensão do significado dos vocábulos que permanecem, remissão do gênero neutro e manuseio específico dentro de grupos lingüísticos de alguns aspectos sintáticos. O autor também fala de certa autonomia da estrutura sintática em comparação com a apropriação do semântico pela ideologia. Entretanto, discordo deste posicionamento. Nota-se que a transformação sintática e semântica se desenvolve em ciclos de complexidade distintos: a semântica mais sujeita às alterações num ciclo de curto e médio prazos, mesmo com efeitos mais duradouros em alguns casos, e a sintaxe em ciclos bem mais longos e que parecem se perder no transcorrer do desenvolvimento sócio-histórico. Porém, ambos agem de forma direcionadora, orientando o discurso do falante dentro de um espectro determinado e marcado ideologicamente.

O autor denota em seu posicionamento uma ação da ideologia à nível semântico. Todavia, penso que aconteça também através da sintaxe. Observamos, por exemplo, a extinção do gênero neutro no português e sua manutenção no alemão. Fiorin descreve como o uso de três gêneros nesta língua ocorre, explicando a aplicação do gênero neutro para objetos, fenômenos, ao que é inanimado. Em alemão, diversas palavras que não cabem a essas categorias são de gênero neutro, tais como criança (das Kind), menina (das Mädchen), dentre outros, claramente revelando a força da ideologia sobre a representação simbólica. A estrutura de algumas frases nesta mesma língua também implica na alteração do comportamento do falante e do controle ideológico. O uso de conjunções explicativas (porque, pois, porquanto) em alemão requer do falante uma mudança estrutural em relação à simples afirmação. Por exemplo: ich will ein Fernseher kaufen weil ich das Journal sehen möchte (eu quero comprar um televisor porque eu gostaria de assistir o jornal). Para falar toda a ideia, o falante deve sabe-la de antemão para poder estruturar toda a frase devido a inversão do verbo principal möchten cumprir a regra sintática de ocupar o último lugar da frase já conjugado (weil ich das Journal sehen möchte) . Outro ponto digno de nota: em afirmativas, o verbo principal sempre estará na segunda posição (ich will ein Fernseher kaufen ou ein Ferneseher kaufen will ich). Poderíamos também citar o exemplo do uso da terceira pessoa neutra do singular (es em alemão, it em inglês, il em francês) para fenômenos naturais, do gênero masculino para generalizações no plural e da remissão do tu e do vós no português e no inglês, entre outros.

Se você gosta desse assunto, seguem abaixo duas sugestões de leitura:

Chauí, M. (1997). O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense.

Fiorin, J.L. (1990). Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática.

3 Comentários

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3 Respostas para “Ideologia e Linguagem – Sorria! Você está sendo alienado

  1. Rosa Aparecida Dos Reis

    Ideologia vem de um grupo de pessoas diferenciado por algumas atitudes que eles tomam entre si. Dizem não aceitar repressão politica, jurídica, ou de qualquer órgão ou pessoas que venham impor algo a elas mesmo com todas as diferenças sem perceber acabam tendo de ceder a padrões opostos a suas ideologias.
    Nossa cultura, por exemplo, nosso país há impostos de carro, casa todo os lados tem-se uma taxa a ser paga. A partir do momento em que consumimos algo e às vezes até quando não consumimos, pagamos taxas na água, na energia, limpeza pública, tudo vem incluso taxas. Isso não acontece só em nosso país, há em outras culturas também que não fogem a regra. A cultura chinesa é tão rigorosa ao ponto de determinar até o numero de filhos que o casal pode ter. Na verdade, por mais que sejamos ideológicos não como fugir de regras, sem as mesmas não conseguimos nos organizar. O nosso lado familiar, profissional, na escola, trabalho tudo em nossa vida gira em torno de regras, sem elas não há como no dia-a-dia do nosso corre-corre. Casa família, trabalho, estudo tudo tem sua norma, claro que diferente uma da outra, pra cada situação há uma regra diferente onde gera organização da nossa vida se não a tivermos no nosso dia-a-dia tudo vira um caos total, perdemos o controle das coisas a nossa volta.

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